sábado, 16 de fevereiro de 2008

Desconcerto que concerta

Odiar é também uma forma de amar. Diferente, mas é.
É que o coração humano nem sempre consegue identificar o sentimento que o move. É claro que existem situações em que o ódio é ódio mesmo, mas, em outras, não.Você já deve ter experimentado isso que estou dizendo.
Sobretudo no momento em que foi traído, enganado e até mesmo abandonado. O sentimento foi de revolta e, nela, o amor muda de cor, configura-se diferente. É a mesma coisa que acontece com os animais que se camuflam para sobreviverem às ameaças dos inimigos.
O camaleão é sempre camaleão, mesmo que não possamos identificá-lo no seu disfarce. Da mesma forma fazemos nós.
Quando temos o nosso amor traído, ameaçado pelo descaso do outro, nós nos revestimos de ódio e ressentimentos. Mas a fonte é sempre o amor. Ele é o referencial de onde parte a nossa reação. Nem sempre temos coragem de assumir isso.
A traição nos trava para a misericórdia. E, então, sentimos necessidade de devolver a ofensa com a mesma moeda.
Por isso, dizemos que odiamos. Mas só o dizemos, porque o que nos falta é coragem para dizer que amamos.




por pe. Fábio de Melo

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Amar é descobrir os detalhes, os avessos...

Amar é descobrir os avessos. É olhar o outro lado, o nunca visto, o não investigado.Amar é exercício de investigação, de constante e atenta observância.Só o observar silencioso da existência nos capacita para uma formulação de palavras...Só pode dizer alguma coisa sobre uma pessoa, aquele que soube demorar, que soube ficar, permanecer, vigiar, descobrir. As palavras reveladoras só nascem depois da observação silenciosa.Uma mulher não se sente amada no momento em que o homem a proporciona uma noite de amor, apenas...Mas sobretudo no momento em que se sentam à mesa de um restaurante, e sem que ela diga nada ele lhe pede o prato favorito.Amar é descobrir os gostos, os sabores particulares, os desejos mais ocultos.Amar é saber a cor favorita, o número que calça os pés, o que causa medo e o que encoraja.Hoje fiquei pensando...Meu pai morreu sem que eu soubesse qual era sua cor favorita...



por pe. Fábio de Melo

domingo, 3 de fevereiro de 2008

CORAÇÃO ACORRENTADO

Coração acorrentado do amor só tem recados
Teoriza e não conhece a sua força
Esqueceu como se ama
Fez na sombra a sua cama
E mandou dizer que agora não tem tempo
Coração, corpo presente, está no Corpo,
mas ausente
Se perdeu na soma das indiferenças
Se ele perde ou se ele ganha
Se ele bate ou se ele apanha
Coração não faz esforço pra vencer

Tropeça no amor, não sabe amar
Sequestra e não sabe conquistar
Se perde na vida
Se ele vai ou se ele fica
Tanto fez que tanto faz
Coração desaprendeu o que é amar


Coração desalinhado, feito trem descarrilhado
Vai sofrendo os desajustes dessa vida
Se destrói ou se edifica
Se acredita ou se duvida
Coração não faz esforço pra mudar

Coração, campo minado
Vive em risco e sem cuidado
Já não sabe mais dizer o que é Sagrado
Traz alguém sempre do lado
Mas é sempre solitário
Coração não sabe mais o seu lugar
pe. Fábio de Melo

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Filhos do céu

"Aquilo que você está vivendo, o peso que você está carregando, não é nada comparado a alegria que te espera."

Em março quando meu pai deu o seu último suspiro, eu estava lá com ele, mas por covardia não tive coragem de segurar na matexperiilde;o dele, por medo de ver agonia que ele estava vivendo.
Nove de abril, terra boa no Paraná, recebi a noticia de que minha irmã estava morta, e o dia 15 de dezembro o dia em que eu comemorava o meu aniversário de ordenação, a dor mais recente, quando o meu amigo Robinho (Cantores de Deus) não conseguiu mais, o câncer foi maior que ele.
E alguns dias depois uma outra experiência que eu vivi, mas que não quero falar aqui, mas em uma outra ocasião, meu amigo padre Léo. Mas vou me prender nessas três...Quando alguém morre, levamos certo tempo, sem entender, sem acreditar. Leva tempo para acontecer dentro de nós, a gente leva um tempo dizendo ‘eu não acredito’. Você fica o tempo todo ruminando aquele acontecimento, porque a vida leva tempo para acontecer dentro de nós. Nós levamos tempo para organizar o luto, levamos tempo para descobrir que aquela pessoa não faz mais parte da nossa vida mesmo. E a gente começar a recolher no espaço que era dele e nosso também, as coisas que ficaram. Você abre uma gaveta, e coisas pequenas, bobas, um bilhetinho, que antes não teria valor nenhum, mas porque ele foi embora, foi revestido por uma sacralidade que dinheiro no mundo que pague aquele bilhete. Ai se alguém fizer uma limpeza nas nossas gavetas e começar jogar fora o que pra nós é sacramental, porque é um jeito que a gente tem de fazer o outro sobreviver.
Eu comecei a entender e ajuntar com as várias oportunidades que Deus me deu de viver a experiência do sábado santo. Por isso eu quis contar essas três histórias para vocês e proclamar essa palavra de São Paulo aos Romanos que diz: “Porque para mim, tenho por certo, que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós.”
Descubra o que hoje lhe mata, descubra o que hoje lhe faz sofrer e você de alguma maneira poderá intuir e descobrir aquilo que te fará vencedor amanhã. Há duas formas de vivermos o processo da morte, ou o processo do sofrimento: ou nós nos entregamos a ele, ou nós experimentamos a ressurreição, que pode ser exalada aos poucos.

O céu começa nas pedras, por isso, o Sábado Santo é ainda tempo de silêncio e contemplação, porque o nosso Mestre ainda está morto.Os discípulos viveram ontem, vamos voltar no tempo. Você já tem a certeza da ressurreição, os discípulos não tinham. No dia anterior os seus discípulos viram o seu Mestre ser morto. Eles que tinham deixado tudo para segui-Lo, e de repente, Aquele em quem eles colocaram sua esperança tinha morrido, por isso eles voltam a suas vidas antigas, se reuniram para decidir o que fazer de suas vidas, mas o que os evangelhos não contam é que ao olharem uns para os outros, sentirão o perfume de Cristo no ar.É impossível passar pela experiência com Jesus e sermos iguais. Os discípulos se olharam e diziam: ‘...o perfume de Cristo está no meio de nós’, e não é possível que d’Aquele que fez tanto por nós não tenha ficado nada.
Os discípulos só reconhecem Jesus quando eles reconhecem quem eles são. Aquele que tem o poder de te amar de verdade tem o poder de te fazer lembrar quem você é.Esta promessa de São Paulo está enraizada na experiência que eles tiveram com Jesus na dor, no sofrimento. Descubra na sua história o que você viveu, onde você não se deixou viver a experiência do casulo. Assim como as árvores, que tem que condensar todas as suas seivas para quando chegar a primavera possam ter seiva para que as folhas sejam verdes.Quantas vezes rezamos pela cura daqueles que amamos, assim como rezamos pela cura do padre Léo, quanta falta ele faz para nós! E para você que teve a sua vida transformada por uma palavra do padre Léo... Então ele morreu? Não! Porque quando você vive essa palavra proclama por ele, quando você faz brilhar a experiência daquilo que você aprendeu com ele através da palavra, ele se torna vivo dentro de você. Deus não está aí para realizar o que você quer mas para o que você precisa!

O que você precisa que Deus faça na sua vida? A gente não sabe responder, porque estamos ocupados demais em dizer o que queremos.Não nasce cristão da noite para o dia, leva tempo, e filho do céu nasce ‘parturiado’, não tem cesariana, não nasce de maneira fácil. Filho do céu nasce da pedra, do túmuloManhã de sábado é manhã de preparo, não sepulte de qualquer jeito, não passe pelo seu sofrimento de qualquer jeito, só vem a glória se, de fato, mergulharmos no mistério da morte. Não é para ficarmos na morte, mas devemos olhá-la de frente para que ela não seja maior que nós. Que nessa manhã de espera e ressurreição você não se esqueça que você é um filho do Céu!






por Pe. Fábio de Melo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Alquimia da dor


Hoje nós temos a alegria de ter duas leituras que acabam sendo um complemento de toda a reflexão que fizemos pela manhã. Quando nós dizíamos que a configuração ao Cristo que acontece em nós por força do Espírito Santo não é apenas a prática de uma religião infértil, não é apenas seguir um ritual religioso, mas, sobretudo é a gente descobrir que a nossa identidade sofreu modificações.
É tão fácil a gente cair na religião do mito – Jesus já nos alertava o tempo todo para o culto dos ídolos – e a idolatria é um dos principais problemas religiosos no mundo. Esse é um risco que todos nós corremos, quando a nossa admiração por alguém, ou por uma pessoa se torna essencial, colocada acima, em termos de importância do que aquele que a pessoa anuncia. Decepcione-se comigo, mas que a sua decepção comigo não seja uma decepção por Aquele a quem eu anuncio. Decepcionar com o humano, porque é frágil, tem sono, fica mal-humorado, tudo bem, mas não confunda a minha pessoa com Aquele a quem eu anuncio. Temos que viver uma religião que seja capaz de mexer com as estruturas da nossa consciência, a ponto de nos fazer acordar para tudo aquilo para o qual nós dormíamos e que não sabíamos que existia dentro de nós.Já estávamos inconscientes e acostumados com o nosso jeito ciumento de amar, jeito ciumento de possuir as pessoas, achando que isso era amor; eu já era desonesto nas pequenas coisas e já estava acostumado. Até que um dia uma palavra profética varou as estruturas da minha vida e me incomodou.Uma palavra profética tem o poder de fazer algo, de acordar os surdos e aqueles que estão dormindo e que já não escutam mais nada, num sono letárgico, ou até mesmo num cumprimento de rituais inférteis que já não servem de nada para a nossa salvação.É a continuidade da Santa Missa que nos salva, é a história que fica diferente em cada comunhão comungada, cada mesa partilhada, cada confissão realizada, é o que se segue dali que nos salva. O sacramento não é a mágica de um momento, mas é a continuidade da vida que vai sendo incorporada, porque o sacramento aconteceu em mim.É disso que Jesus fala: “Não venha me dizer o que você fazia antes, não me importa o que você fazia. Importa-me o que você era. O que faz diferença para mim é o quanto a minha Palavra conseguiu transformar o seu coração a ponto de transformá-lo numa pessoa melhor”. De você olhar para trás e dizer: “Antes eu era assim, e pela força da Eucaristia, do Evangelho, do terço, eu mudei” – todas as manifestações religiosas que você pode ter e viver. Você percebe que a sua vida não é mais a mesma, porque você mudou o seu jeito de pensar, modificou o seu jeito de ser. A religião que Jesus quer de nós é esta: que você fixe os olhos céu, que você busque o céu.Quer saber o que vai lhe causar dor? Descubra o processo de saber como educar. Nós somos capazes de seguir uma regra a partir do momento em que a conhecemos. O Deus que nós anunciamos não é uma ameaça. Se cada um de nós hoje tivesse a oportunidade de contar o que passamos, de escrever a nossa história, tudo o que tivemos de suor, sofrimento e sangue, não teria editora suficiente para tantos livros. Alegria é plantada na dor. Descubra as cicatrizes da sua alma, e saberemos o quanto você é feliz a partir delas. Nesse calvário, você tem duas opções: ou esquece o peso da cruz ou olha que tem um Cirineu do seu lado. Religião que só nos mostra a cruz é uma religião infértil, porque eu não sou filho do calvário, eu sou filho do Ressuscitado - e quem eu anuncio sempre é o Ressuscitado. Você não pode ficar parado no "calvário da sua vida" - todos nós passamos todos os dias por ele. Humanidade é isso, é trazer a luz do Ressuscitado para nós e ver que há muito para ser limpo em nós. O anúncio do Evangelho é para nós aprendermos que não temos que ficar com as nossas poeiras, e impurezas. Você acha que a gente vai ser santo sem sacrifício? Quando eu acendo uma vela com fé, eu acendo a fé dentro de mim também. A gente tem que fazer o sacrifício sim. Quando eu deixar de comer algo é para eu ser melhor. Tem gente que espera a Quaresma inteira sem beber, mas não vê a hora de ela acabarpara "encher a cara" de novo. Se a nossa religião não colocar um pouco de sorriso em nós não vai adiantar de nada. Eu sei das minhas lutas, mas estou satisfeito, porque eu não me prendo àquilo que eu não posso, mas sim àquele que me anima. A dor sinaliza que alguma coisa precisa ser cuidada. Nós queremos a ressurreição, mas não queremos o calvário.
A dor é o preparo. A semente passa por todo um processo de crescimento, mas ela sabe que se não deixar de ser o que é, não atingirá seu objetivo. Não desista, está apertado, está achando que está difícil, mas a dor faz parte do processo. A sua dor não pode ser em vão. O que você faz com a sua dor? Faz um quadro? Faz música? A genialidade está em transformar a lata velha em ouro. Ou a dor me destrói, ou eu a transformo em processo de ressurreição. "Me bateu uma tragédia terrível!" Mas eu não paro. Vou buscar força, eu não posso mudar os fatos, mas posso mudar o jeito de ver através dos fatos. Na nossa vida espiritual é assim. Às vezes, a gente quer chegar sem ir. Não se chega a lugar nenhum sem dar o primeiro passo. Nossa vida é um desafio diário e não tem tréguas. É um "lapidar" constante, tirando tudo o que é excesso em nós. Não tem jeito de amar sem sofrer. Quem ama está o tempo todo querendo cuidar.
Se eu não tivesse sofrido do jeito que eu sofri, se eu não tivesse amado do jeito que eu amei, eu não teria nada para contar a vocês.

Não sinta vergonha de nada que você sofreu, porque depois que passou por aquele momento, você sabe o que você sofreu para chegar onde chegou.
por pe. Fábio de Melo